Livro do Desassossego (Portuguese Edition)

Por isso a ideia que faço de mim é uma ideia que a muitos parecerá errada. De certo modo é errada. Mas eu sonho-me a mim próprio e de mim escolho o que é sonhável, compondo-me e recompondo-me de todas as maneiras até estar bem perante o que exijo do que sou e não sou.

Conquisto o psiquismo que explico, porque para mim sonhar é possuir. E assim se vê como é natural que eu, sonhador que sou, seja o analítico que me reconheço.

Vendo-me de fora, como quase sempre me vejo, eu sou um inapto à ação, perturbado ante ter que dar passos e fazer gestos, inábil para falar com os outros, sem lucidez interior para me entreter com o que me cause esforço ao espírito, nem sequência física para me aplicar a qualquer mero mecanismo de entretenimento trabalhando.

O que é certo é que as coisas que mais amamos, ou julgamos amar, só têm o seu pleno valor real quando simplesmente sonhadas.

Morte somos e morte vivemos. Mortos nascemos, mortos passamos; mortos já, entramos na Morte. Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.

Adia tudo. Nunca se deve fazer hoje o que se pode deixar de fazer também amanhã. Nem mesmo é necessário que se faça qualquer coisa, amanhã ou hoje. — Nunca penses no que vais fazer. Não o faças. — Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela. Na verdade e no erro, no gozo e no mal-estar sê o teu próprio ser. Só poderás fazer isso sonhando, porque a tu

Nada se penetra, nem átomos, nem almas. Por isso nada possui nada. Desde a verdade até a um lenço tudo é ímpossuível. A propriedade não é um roubo: não é nada.

Direis que não sabemos o que é a vida, e vivemos... Mas nós vivemos realmente? Viver sem saber o que é a vida será viver?

Nunca duvidei que todos me traíssem; e pasmei sempre quando me traíram. Quando chegava o que eu esperava, era sempre inesperado para mim.