De cada quinhentos uma alma (Portuguese Edition)

A dona do restaurante, uma mulher corpulenta, que gosta de usar salto alto e calças de lycra, olha para ele pela janela do restaurante.

Tentaram conferir algum refinamento ao local, mas não passa de um puteiro miserento. Ao entrar, sente o cheiro de suor, batata frita e perfume vagabundo, a nuvem de nicotina por todo o ambiente.

Os olhos de Tomás se perdem dentro da caçamba do triturador que exala podridão e calor. — Como vou dizer ao Estêvão que ele triturou os dois filhos por engano. — E se não foi por engano?

— Por isso a gente precisa chegar até o Matadouro do Milo. Ele sabe de alguma coisa, e se os corpos estão indo pra lá… Milo tá metido nisso — completa Bronco Gil.

— Talvez eu morra, talvez eu sobreviva — Edgar Wilson respira com força o ar frio e solta-o juntamente com a fumaça do cigarro. — Alguém precisa fazer o trabalho sujo dos outros.

Bronco Gil decide parar no acostamento e caminhar entre as ovelhas mortas. Agacha-se e toca em uma delas. À distância, Tomás sinaliza para que Bronco Gil se afaste. — O senhor deve se afastar. Ainda não sabemos o que aconteceu aqui.

Edgar Wilson não come porcos. De todos os animais com os quais lidou e matou, é com os porcos que mais se afeiçoou. Diante do impasse na hora de servi-lo, irmã Bernadete oferece a ele um pouco da carne assada que sobrou da janta da noite anterior.

“O fim está próximo”, repete o locutor num tom de alerta carregado de acusação e temor. E continua: “Prepara-te, pois a vinda do Filho do Homem é chegada. A hora é chegada. Arrependei-vos, pecadores! A morte é chegada. É tempo de matar, é tempo de morrer.”

Bronco Gil diminui a velocidade quando percebe algumas ovelhas caídas na estrada. Olha ao redor e são muitas espalhadas por toda parte.